Daniel Duncan
HACKS | 1ª TEMPORADA | CRÍTICA

Encontrar piadas em momentos intensamente dramáticos não é uma tarefa das mais difíceis. Piadas costumam envolver a criação de uma tensão que é descarregada através do riso. Já o oposto, é um pouco mais complicado. É quase que um nado contra a corrente. Não existe maneira mais rápida de drenar toda a graça de uma situação do que desconstruir o trabalho necessário para tornar essa situação engraçada. Em Hacks, isso não é um problema. A nova produção da HBO é um exame profundo dos conflitos internos de profissionais que se dedicam ao trabalho de fazer rir. Existe muito mais por trás das cortinas do que um palco pode acabar sugerindo.
Criada por Lucia Aniello, Paul W. Downs e Jen Statsky, a história acompanha Deborah Vance (Jean Smart), uma lendária diva da comédia stand-up, que agora enfrenta a decadência apresentando-se em cassinos em Las Vegas. Em paralelo, conhecemos Ava (Hannah Einbinder), uma jovem escritora de comédia da Geração Z, que não consegue encontrar trabalho depois de ter sido "cancelada" por causa de um tweet infeliz. As duas (a contragosto) acabam se unindo para criar um novo show para Vance, e, assim, salvarem o que restou de suas carreiras.
Obras que exploram os bastidores da comédia parecem ter caído nas graças do público e da crítica nos últimos anos. I’m Dying Up Here, Louie, The Marvelous Mrs. Maisel são apenas algumas produções de sucesso orbitando nesse tema particular. No entanto, Hacks parece muito mais interessada em investigar o que exatamente significa ser uma comediante do que mostrar o cotidiano dessas artistas. Em outras palavras, apesar do que diz a sinopse, a série não se concentra no árduo processo de fazer piadas, mas nas inseguranças daqueles que, inevitavelmente, terão que contá-las.
Desde o primeiro momento, Ava é uma humorista esnobe, que se engrandece ao dizer coisas do tipo "a estrutura tradicional de uma piada é muito machista", enquanto Deborah é uma purista, que não quer ouvir de uma comediante novata o que é engraçado ou não. Porém, essa primeira impressão, para além de um delicioso embate entre gerações, serve principalmente para dar início ao desenvolvimento do caráter dessas personagens. Ao longo dos episódios, iremos descobrir que esses traços escondem medos profundos, que qualquer pessoa pode se relacionar: o de falhar na profissão, de buscar por uma autenticidade, de decepcionar a família, ou de corroer a própria integridade artística. E é justamente isso que une as personagens. Ava e Deborah são mulheres engraçadas, mas suas visões de mundo são tão divergentes que elas mal conseguem entender a existência uma da outra. Apenas depois que Ava ataca verbalmente Deborah durante seu primeiro encontro desastroso que a lendária comediante a enxerga de modo diferente: uma jovem brilhante lutando para achar seu lugar em uma indústria selvagem.

Em retrospecto, Hacks tinha tudo para dar errado. É um tipo de história que dificilmente consegue existir sem se inclinar fortemente para a sátira (o que a série evita a todo o custo). Mais complicado ainda é fazer uma série sobre os bastidores da comédia que também trata da arte de se fazer comédia. Poderia ser um drama sobre uma comediante em decadência, com algumas camadas cômicas, mas Hacks é engraçada o tempo todo, o que é um feito e tanto. Por fim, a questão da divisão geracional. A maioria das comédias que tratam desse assunto costumam ser um saco de pancadas entre uma geração e outra, o que cria comentários unilaterais, e, às vezes, desagradáveis. Em Hacks, através da teimosia das protagonistas, o público ganha de presente um convite a compreensão de gerações passadas e futuras.

Hacks reflete os dramas de se trabalhar com arte de maneira muito verdadeira e discute a batalha interna que travamos diariamente com nossos egos. Qual o significado do sucesso ou do fracasso? O que te satisfaz? Será que o nosso ego pode nos controlar, ou podemos controlar o nosso ego? Onde ele pode nos levar? Os roteiristas levantam todas essas questões de uma maneira divertida, mas sem perder em momento algum a sensibilidade do projeto.
O fato é que todos somos assim de certa forma. Estamos em uma constante batalha contra a nossa mediocridade. Todo mundo está com medo de ser medíocre. Todo mundo quer ser especial de alguma maneira. Os conflitos dos personagens nascem a partir do rumo que suas carreiras estão tomando, que, por vezes, anda na contramão dos seus desejos. Destaque para a trajetória do empresário de Vance, que carrega um dos arcos mais interessantes da história. E essa é basicamente uma angústia comum aos seres humanos. É difícil lidar com a nossa mediocridade no mundo. Todos temos uma voz interior que nos julga e nos pune o tempo inteiro. Uma voz cheia de dúvidas e sempre insatisfeita. Essa é a voz subconsciente que ouvimos quando lidamos com nossos egos. Estamos sempre nos cobrando, como tiranos exigentes, em busca da perfeição, para podermos ser aceitos e aprovados. E ao falhar tentamos provar a nós mesmos que não somos bons o suficiente. Hacks nos convida a abrir mão disso. É preciso deixar de se preocupar se você vai falhar — ou não — ao tentar fazer algo. Apenas faça, vá em frente, independente dos resultados. Saia do conforto e faça. Defenda até o fim a possibilidade de falhar. Vá sem medo de errar e dê tudo de si, pois somente quando expomos nossa vulnerabilidade que podemos ficar em paz.
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Texto escrito por Daniel Duncan
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A primeira temporada de Hacks está disponível no catálogo da HBO Max.
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